Lan segurava a enorme lança com facilidade, utilizando seu alcance ao máximo. Mantinha-se distante da besta, misturava cortes e perfurações, se tornando imprevisível. Em geral, todos seus golpes eram impedidos, apenas raramente causando alguma ferida leve a ele.
Um corte na bochecha, um pequeno buraco na barriga, exemplos de poucos golpes que foram capazes de atravessar a forte defesa do Dragão. Ainda assim, Lan não sentia muita pressão, já que seu longo alcance e rápida velocidade permitiram que se mantivesse perfeitamente intacto.
Mas, claro, eventualmente se cansaria, e era impossível determinar se isso ocorreria antes ou depois do mesmo ocorrer com seu oponente. Era arriscado demais esperar, então decidiu dedicar um pouco mais de seu cérebro à tarefa.
Um corte vindo da esquerda era bloqueado pela manopla esquerda e respondido com a direita. Um golpe vindo de frente, bloqueado e respondido da mesma maneira. Um golpe da direita, bloqueio de manopla direita, sem resposta. Não necessariamente era destro, mas preferia responder com seu braço direito, toda vez.
Rapidamente mudou sua postura, sem dar tempo da criatura reagir, levantando sua perna esquerda e lançando-a contra o lado da besta. Após ser bloqueado, a resposta veio, um soco contra sua perna. Ele tinha força, isso com certeza, quase partindo a perna de Lan com um único golpe, mas o Nômade tinha uma lança.
Aproveitou a oportunidade para atravessar a barriga dele, mirando em sua coluna, mas errando por alguns centímetros devido a sua posição desbalanceada. O Níðhöggr, então, tomou distância rapidamente, segurando sua barriga em dor. Acima de suas orelhas, as grandes hastes de sua forma dracônica surgiram.
No mesmo instante, Lan sentiu algo atingindo suas costas. Não teve tempo de reagir, uma sequência de golpes rápidos e pesados, fazendo com que cuspisse sangue em resposta. Então, o Dragão, em sua frente, disse:
-Olha o que posso fazer! Ou melhor, olha o que fiz.
E desapareceu. Lan olhou para trás, o Dragão era a fonte de seus golpes. Mas como, se clonou? Se multiplicou?
-Nunca usei meus poderes temporais em um mano a mano.
Isso explica.
-Olha que incrível!
E se lançou em um soco, antes que Lan pudesse se recuperar. Bloqueou com sua lança, que, demonstrando durabilidade sobrenatural, não se partiu. Simultaneamente, sentiu dois socos atingirem sua cabeça, um vindo da esquerda e outro da direita. Os olhos do Nômade vibraram como sinos.
-Posso acumular quantos Ecos eu quiser! - o Dragão da direita comemorou, com os outros desaparecendo.
-Vai levar isso a sério? - Lan falou, comandando sua própria visão a se recuperar. Tirou seu livro de seu bolso, segurando-o em uma mão enquanto segurava a lança na outra. - Farei-o também.
Nesse tempo, Sethe e Liche concluíram sua descida até o Quarto Anel. Corriam, gritando pelo nome de Thor. Pelos boatos que ouviram, havia tentado chegar no Quinto Anel, mas possivelmente não teve tempo de concluir sua missão, então procurariam aqui antes de descer mais.
Eventualmente, Liche parou de gritar por alguns instantes.
-Sethe, visitaremos o mundo inteiro, certo? - questionou, sua voz baixa e, talvez, envergonhada.
-Temo não ter tempo de caçar todos os Deuses, mas tentarei derrotar o mais forte de cada país, sim.
-Tenho um pedido, então. - desacelerou seu passo.
-Diga. - Sethe parou de andar, aguardando a resposta de sua amiga.
-Minha terra natal, Varonia. Quero escolher que Deus caçaremos lá.
-Entendo. Quando chegarmos lá, você escolhe, ok? - sorriu.
-Obrigada.
Retomaram sua caçada. Lobos os observavam, corvos voavam ao seu redor, mas se mantinham distantes, não demonstravam ameaça. Repentinamente, uma voz ressoou em suas mentes:
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz”, Lan dizia, “Liche, suba para o Anel Zero, frente a uma depressão. Sethe, prossiga com a busca, e depois suba aos barcos. Quando estiverem posicionados, deem me um sinal. Não me façam esperar”.
Os dois pararam, olhando ao redor.
-Algum feitiço, acho. - Sethe falou.
-Odiei cada segundo disso. - respondeu Liche.
Desviaram seu olhar para o Anel Zero, analisando sua extensão. Em um certo ponto, uma rampa de gelo descia ao nível abaixo, com uma grande parede posicionada em seu meio, como a ponta de uma mola.
-Ficará bem sozinho? - Liche falou.
-Lembre-se quem é o líder. - Sethe riu - Dou meu jeito.
-Certo. Te vejo nos barcos, pseudo-Deus.
-Até lá, Doutora.
E se separaram.
“Como reajo a coisas que nem posso ver chegando?”, Lan pensava, quatro Dragões fincando garras em cada um de seus membros. “Se continuar assim vou acabar morrendo”. E apenas um monstro restou, mais uma vez. Lan se atentou a ele, buscando alguma indicação, algo que pudesse lhe indicar onde apareceria, mas era fútil. “Viagem no tempo, tão justo”.
Então, notou. Sempre, logo antes do original desaparecer, suas hastes brilhavam. Um sorriso surgiu em seu rosto.
-Vou cortar suas asas, Dragão.
Ele hesitou, por um instante, então se recuperou e reverteu a seu padrão. Voltava no tempo, socava Lan, voltava no tempo, socava Lan, de novo e de novo, cada vez produzindo mais um “clone” que o atingiria simultaneamente, impedindo reação.
Não era capaz de determinar como Lan ainda vivia. Com tantos socos, certamente seus ossos haviam se partido. Melhor que isso, toda vez que se movia, podia ouvir os ossos soltos se movendo, penetrando seus órgãos e carne. Nesse ponto, apenas precisava sobreviver, e a hemorragia levaria Lan por conta própria.
Mas o Nômade não desistia. Mantinha sua lança em mãos, aguentando todo impacto que recebia, toda a dor que certamente lhe preenchia. Dizia ser apenas um homem, mas o Dragão não via nada além de um monstro em sua frente.
Dois socos na barriga, um soco na cabeça, outro nas pernas. Lan prestava atenção em seus atacantes, bloqueando os golpes que podia, mas principalmente pensando. Não se importava com ossos quebrados, não se permitiria perder.
Então, se viu agarrado por trás. Seus braços levantados, suas pernas seguradas, quatro Dragões lhe mantinham preso. Em sua frente, um quinto surgiu. Duas manoplas, com as hastes presas a elas, como correntes.
-Seria mais fácil se você só morresse. - disse o Níðhöggr.
-Se eu morrer, todos morrem. - Lan disse - Não permitirei que Odin se liberte.
O Dragão preparou seus golpes, um acima do outro, as pontas das hastes em frente aos seus punhos.
-Vejo você depois, então. Ou antes, não sei.
Então, disparou seus dois socos contra o peito de Lan. O Nômade sentiu alguma forma de poder atravessando seu corpo como uma onda. A onda talhou símbolos por sua pele, como um artesão talhando pedra. Se viu, então, movido a outro lugar.
Ao seu redor, via Helheim. Porem, era levemente diferente. Mais apertada, mais criaturas, mais arvores. No céu, uma enorme estrutura branca, distante demais para reconhecer detalhes. Então, varias luzes vindo de cima, se aproximando rapidamente, caindo por todo o planeta. Uma, solitária, caiu na ilha.
A estrutura era cilíndrica, branca e cinza. Em seu lado, o número cinco mil, trezentos e vinte. Uma parte da estrutura foi disparada para longe, e de dentro saiu um garoto, jovem e confuso. Sua aparência, a cor de seu cabelo, a cor de seus olhos. Era o Dragão. Começou a andar em direção da Árvore, para fora da visão de Lan.
-Huh. - pensava em voz alta - Nunca ouvi falar de uma queda de meteoros como essa. Quão velho você é, para ter experienciado algo que nenhum livro reporta?
Desviou seus pensamentos, tomando essa oportunidade para examinar seu estado. Viu os vários símbolos, como os que previamente examinou nas metálicas paredes abaixo da Cetate. Tentou tocar o local onde seu olho direito fica, mas nada estava lá. Se concentrou na sensação dele, determinando que havia sido deixado para trás, no presente.
-Olho magico, para que te quero. - brincou - Se esses símbolos me trouxeram, esses símbolos me levarão.
Se sentou, graveto em mãos, e começou a anotar padrões sobre os símbolos. Desenhava cada um deles, transcrevendo sua pele, tomando nota de quantas vezes via cada um deles, da ordem que apareciam, entre outras coisas. Tentava discernir, pressupondo ser uma língua de que desconhecia, qual sistema de escrita usaria.
Sendo logográfica, cada simbolo representaria um conceito por meio de um desenho, como os escritos de Shizunda. Isso seria ideal, pois apenas precisaria determinar o sentido de cada um dos símbolos por meio de intuição e logica.
Caso silábica, onde cada simbolo representa uma união de sons, e se unem para produzir sentido, ou caso alfabética, onde cada simbolo representa um único som, que pode se unir a outros para produzir silabas e, assim, sentido, sua tradução seria praticamente impossível. Cruzou seus dedos para que isso não fosse o caso.
Então, tomou sua lança e arrancou um dos símbolos de sua pele. Um choque se espalhou por seus músculos, mas nada mais.
-Grah! - gritou.
Assumindo que essa união de símbolos é o que produzia o efeito magico, destruir o sentido das frases deveria revertê-lo. Porem, muito provavelmente, eles eram desenhados de maneira a produzir redundâncias, impedindo que a remoção de um único símbolo destrua o feitiço por completo.
-Pelo menos isso confirma que os símbolos são mágicos.
Analisou suas notas, buscando qualquer conjunto raro, ou inteiramente único. Com sorte, a remoção de uma dessas palavras, usada apenas uma singular vez, poderia destruir o sentido.
Cravou a lança em seu peito mais uma vez, e mais um choque se seguiu.