Sethe andava por uma enorme floresta, composta por árvores dos mais variados tipos. Seu corpo, recém-restaurado pelas quatro criaturas que o colocaram nessa provação, se encontrava ferido. Alguns cortes em seus braços, alguns cortes em suas pernas, alguns furos em seu peito.
Viu uma luz em meio aos troncos, e se direcionou a ela. Encontrou uma fogueira, com três espíritos se sentando em seu redor. Se sentou junto deles, buscando uma breve pausa de sua jornada. Os três se mantiveram em silêncio, apenas observando o Julgado.
-Como você chegou aqui, pai? - Sethe questionou, direcionando sua atenção ao espirito a sua direita.
-Hórus. - ele respondeu - Não te culpo pelas ações dele, você já tem minha benção.
-Entendi, obrigado. Facilita bastante minha vida.
O espirito de Horn começou a lentamente entrar no solo.
-Agora, você. - a Aberração voltou sua atenção para o espirito em sua esquerda - Preciso me desculpar.
-Sethe, tenho assistido sua viagem. Não entendo pelo que passa, mas sou grata pelo que fez por meus filhos. Não precisava ter, mas deu-lhes-
-Perdão interromper, mas me foi avisado que não posso saber nada sobre como o mundo seguiu enquanto estive fora.
-Entendo. De qualquer forma, eu que te devo agradecimentos.
-Tirei tua vida por motivos puramente egoístas, adiei minha promessa por dois anos devido a minha incapacidade de aceitar a realidade de minhas ações. Pra ser honesto, não mereço agradecimentos nem perdão.
-Ora, você busca a divindade, não? Como você mesmo disse, um Deus faz o que deseja, não o que desejam para ele.
Sethe sentiu algo estranho em reação ao que lhe foi dito.
-Pera, realmente acredita que posso ser um Deus?
-Quarenta policiais. Se isso não é ato divino, não sei o que é. Tem minha benção, Aberração.
E seu espirito se perdeu em meio ao solo. Os dois sentaram em silêncio, o espirito em respeito ao tempo que Sethe precisava para processar o que havia ouvido. Finalmente:
-Mãe. Como disse, nos encontramos novamente.
-Filho. Tem noção do tempo que se passou desde que morreu?
-Alguns dias?
-Hah, entendo. Bom, tenho assistido à vida daqueles que você deixou, além de ter acompanhado sua jornada por essa floresta.
-Lembre-se, não pode me dizer nada sobre o estado do mundo.
-Só preciso dizer uma coisa, Sethe. Ele é diferente, sem mim. Não sei se é objetivamente melhor, mas me parece ser.
-Entendo…
-Obrigado, filho. Se você não tivesse deixado seus desejos lhe guiarem, se não tivesse deixado sua lógica para trás e seguido suas emoções, eu nunca veria esse mundo. Nunca teria entendido o mal que fazia a você e ao Hórus.
-Mãe, eu queria-
-Não, garoto. Ainda tem muito o que fazer, não gaste seu tempo comigo. Tem minha benção.
E o espirito de Maddy se desvaneceu em meio à terra. Sethe se sentou em silêncio por alguns instantes, então decidiu resumir sua jornada. Andando pela floresta, se viu frente a um enorme portão. Olhou para trás, as árvores substituídas por um coliseu. No alto, as quatro figuras de antes o observavam, até começarem a falar:
-Com isso, recebeu a benção de cada um dos que matou.
-De todos?! Mas… faltou um!
-Lhe asseguramos: naquela floresta, cada morte causada por suas mãos se encontrava.
-Mas, e Argent!? Melhor amigo do Hit? Porra, era meu amigo também! Eu vi o enterro dele, eu vi o corpo morto dele!
As quatro formas se mantiveram em silêncio. Sethe encarou-as, confuso. Então, entendeu.
-Eu… tava certo? - sua voz aumentando em volume a cada questionamento - Realmente era pouco sangue? Não me descontrolei? Não o matei!? Me respondam!
Mas não responderam.
-Eu vi o corpo morto dele, como podem explicar isso?! Vi ele ser enterrado! Tenho certeza de que seu espirito e seu corpo se separaram, tenho certeza!
Cada um dos seres foi capaz de notar o exato momento em que Sethe entendeu, sua face indo rapidamente de frustrada e confusa para apavorada, lagrimas surgindo em seu rosto.
-Ele fez… o mesmo que faço hoje, correto? - sua voz, não mais irritada nem alta, tentava segurar seu choro - E, claro, foi atrás de mim. Diga-me, quando eu conseguir voltar, irei poder contar aos outros sobre o processo que agora executo?
-Não.
-“Eis tudo quanto vos posso revelar”… - sua voz falhava - Não acredito que não reconheci os cortes em sua boca, a cor de seu olho…
Silencio se impôs sobre a arena. Por horas, ali ficaram. Até os quatro decidirem que tempo o suficiente havia passado.
-Sua provação não acabou, Sethe.
-Qual o próximo passo? - questionou, sua voz ainda falha.
-A pós-vida tem seus guardiões, pequena alma. Através desta porta, enfrentara um deles, especificamente escolhido para te desafiar. Nunca foi vencido, em seus quinhentos anos de serviço.
-Okay.
O enorme portão se abriu, revelando um corredor escuro. Entrou. Demonstrando sua bravura, enfrentava as trevas que o cercavam. Então, alcançou uma parede. Verificou se não havia alguma porta, decidindo voltar. Quando voltou, se viu em um piso de madeira. Olhou ao redor, estava no centro de um grande palco.
-Sethe, correto? - uma voz alegre, preenchida por uma felicidade contagiante.
-Correto, posso saber aonde se encontra?
Sentiu algo tocar suas costas.
-Bem aqui.
Se virou rapidamente, um homem de um e oitenta, cabelo azulado e pele branca. Usava roupas como as de um mágico, pronto para apresentar seu show.
-Ah, entendo. Seu nome?
-Ora, tem razão! Esqueci de me apresentar! - falou, caminhando para longe de Sethe - Sou o orgulho dos meus, trago alegria e diversão para toda execução a mim atribuída! O Ceifador mais belo e poderoso de todos!
-Aham… Seu nome?
-Seja bem-vindo ao meu show, Sethe. Pode me chamar de Inútil.